terça-feira, 15 de janeiro de 2008

BIOCOMBUSTÍVEIS, NÃO OBRIGADO!


Uma Solução letal. Precisamos de uma moratória de cinco anos nos biocombustíveis, antes que eles destruam o planeta.
Por George MonbiotPublicado no GUARDIAN em 27 de Março de 2007.

Até aqui era um caso de boas intenções mal dirigidas. Agora é simplesmente fraude. Os governos que usam biocombustíveis para lidar com o aquecimento global sabem que é pior a emenda que o soneto. Mas nem pestanejam.
Teoricamente, combustível feito a partir de plantas pode reduzir a quantidade de dióxido de carbono emitido por carros e camiões. As plantas absorvem carbono à medida que crescem – e ele é de novo libertado quando o combustível é queimado. Ao encorajar as companhias petrolíferas a mudar das plantas fósseis para as vivas, os governos dos dois lados do Atlântico proclamam estar a “descarbonizar” as nossas redes de transporte.
No orçamento da semana passada, Gordon Brown [ministro das finanças britânico] anunciou que iria estender até 2010 os benefícios fiscais dos biocombustíveis. A partir de 2008 todos os fornecedores no Reino Unido terão que garantir que 2,5% dos combustíveis que vendem são provenientes de plantas - se não, terão que pagar uma penalização de 0,15 libras [22,5 cêntimos] por litro. A imposição atinge os 5% em 2010 (1). O governo planeia que, em 2050, 33% do nosso combustível será proveniente da agricultura. No mês passado George Bush anunciou que iria quintuplicar a meta dos Estados Unidos para biocombustíveis em 2017 eles deverão estar a fornecer 24% do combustível americano gasto em transportes.
Haverá algo errado nestes programas? São apenas uma fórmula para o desastre ambiental e humanitário. Em 2004 avisei que os biocombustíveis iriam levar a uma competição entre alimentar carros e alimentar pessoas. Inevitavelmente as pessoas perderiam: aqueles que podem guiar são, por definição, mais ricos do que aqueles que correm o risco de morrer à fome. Levaria também à destruição das florestas tropicais e outros habitats importantes . Por ter dito isto fui mais insultado do que até então por qualquer outro artigo, excepto quando ataquei os conspiracionistas do 11 de Setembro. Foi-me dito que as minhas afirmações eram ridículas, risíveis, impossíveis. Bem, num aspecto eu estava errado. Eu pensava que estes efeitos não se materializariam tão cedo. Só que já estão a acontecer.
O preço do milho dobrou desde o princípio do ano passado. O preço do trigo atingiu o máximo dos últimos dez anos, enquanto que as reservas globais dos dois cereais desceram para o valor mais baixo dos últimos 25 anos. Já houve motins por causa de comida no México e chegam de todo o mundo relatos de que os pobres estão a sentir o aperto. O Departamento de Agricultura [Ministério da Agricultura] americano avisa que "se tivermos uma seca ou uma colheita muito pobre poderemos presenciar o tipo de volatilidade que vimos nos anos 70 e, se não acontecer este ano, estamos a prever igualmente reservas mais baixas para o próximo ano" . Segundo a FAO, das Nações Unidas, a principal razão é a procura de etanol: o álcool utilizado como combustível, que tanto pode ser produzido a partir do milho como do trigo .
Os agricultores responderão aos melhores preços do mercado plantando mais, mas não está claro que possam acompanhar a procura crescente do biocombustível. Mesmo que o consigam, será apenas cultivando habitats até agora virgens.
Já sabemos que biocombustíveis são piores para o planeta do que o petróleo. As Nações Unidas acabam de publicar um relatório onde se estima que 98% da floresta tropical da Indonésia estará degradada ou destruída em 2022. Há cinco anos atrás a mesma agência previa que tal não iria acontecer antes de 2032. Mas não tinham contado com a produção de óleo de palma destinado ao mercado europeu de biocombustíveis. Esta é agora a causa principal de desflorestação naquele país e provavelmente será responsável em breve pela extinção do orangotango selvagem. Mas há pior. Quando as florestas são queimadas, quer as árvores quer a turfa em que assentam são transformadas em dióxido de carbono. Um relatório da consultora holandesa Delft Hydraulics mostra que cada tonelada de óleo de palma resulta na emissão de 33 toneladas de dióxido de carbono ou seja, dez vezes mais do que o petróleo produz .Sinto necessidade de repetir isto. Biodiesel de óleo de palma causa DEZ VEZES mais alterações climáticas que o diesel convencional.
Por todo o mundo há impactos semelhantes. Os produtores de cana de açúcar no Brasil estão a alargar-se para habitats preciosos (como o cerrado) e os da soja cortam a direito na floresta amazónica. Como o presidente Bush acabou de assinar com o presidente Lula um acordo sobre biocombustíveis é provável que piore bastante mais. Povos indígenas da América do Sul, Ásia e África começam a queixar-se das incursões dos plantadores de combustível pelos seus territórios. Um grupo chamado Biofuelwatch [Observatório dos Biocombustíveis] lançou uma petição, assinada por activistas de 250 grupos, na qual se pede aos governos ocidentais para parar .
O governo britânico está bem consciente de que há problemas. O secretário [Ministro] do ambiente David Miliband afirmou o ano passado no seu blog que "as plantações de óleo de palma estão a destruir cada ano 0,7% da floresta tropical da Malásia, reduzindo um recurso natural vital (e destruindo assim o habitat natural do orangotango). Está tudo interligado”Ao contrário da política do governo.
A razão pela qual os governos andam tão entusiasmados com os biocombustíveis é que estes não perturbam os automobilistas. Dão a aparência de reduzir as emissões de carbono dos nossos carros sem necessitar de novos impostos. É uma ilusão assente no facto de apenas as emissões produzidas no próprio país contarem para o total nacional. O abate da floresta na Malásia não aumenta um grama o nosso impacto oficial.
Em Fevereiro a Comissão Europeia foi confrontada com a escolha clara entre eficiência energética e biocombustíveis. A intenção tinha sido dizer aos fabricantes de automóveis que a emissão média de carbono nos carros novos em 2012 teria de ser 120 gramas por quilómetro. Depois de grande pressão de Angela Merkel a favor dos seus fabricantes de carros a Comissão cedeu e aumentou o limite para 130 gramas. O diferencial de emissões seria compensado através de maior incorporação de biocombustíveis (14).
O governo britânico afirma que "irá exigir aos fornecedores de combustível para transportes que informem quanto às poupanças em carbono e à sustentabilidade dos biocombustíveis que fornecem”. Mas não vai exigir que façam nada. Não pode: os seus consultores já mostraram que, se tentar impor normas ambientais exigentes aos biocombustíveis entrará em conflito com as regras de comércio mundial (16). E mesmo os combustíveis "sustentáveis" irão simplesmente para o espaço até agora ocupado pelas produções alimentares, desalojando-as e forçando-as para novos habitats. O governo promete que um dia haverá uma "segunda geração" de combustíveis, feita de palha ou erva ou madeira. Mas ainda existem obstáculos técnicos importantes .Quando esses novos combustíveis aparecerem o estrago já estará consumado.
Precisamos de uma moratória para todas as metas e incentivos para biocombustíveis até que uma segunda geração possa ser produzida por menos do que custa o de óleo de palma ou a cana de açúcar. Mesmo então as metas devem ser moderadas e aumentadas cautelosamente. Sugiro um congelamento imediato de cinco anos.
Isto exigiria uma campanha enorme, mais dura do que aquela que ajudou a ganhar o congelamento por cinco anos do cultivo de plantas transgénicas em solo britânico. Isso foi importante — as culturas transgénicas dão às grandes multinacionais um controlo sem precedentes sobre a cadeia alimentar. Mas a maior parte dos seus efeitos são indirectos, enquanto a devastação causada pelo biocombustível é imediata e já está visível.
Isto é o que torna mais difícil parar: encorajados pelas política europeias, há agricultores e empresas agroquímicas a fazer agora grandes investimentos. Para os travar é necessária uma batalha impiedosa. Mas ela tem que ser travada
.
Pode juntar-se à campanha em http://www.biofuelwatch.org.uk

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